Naquela manhã
parecia que o galo esquecera de cantar, pois de um lado para o outro minha tia
Florinda estava a se remexer na rede, desde bem cedo, como se não aguentasse
mais ficar deitada. E, de fato, era isso mesmo. Logo que o galo deu o sinal dos
primeiros raios de sol, tia Florinda sentou-se na rede e depressa fez suas
orações, todos ainda estavam dormindo, a casa estava em um silêncio só, que aos
poucos foi rompido pelas panelas da cozinha. Sem demora minha tia fez o café, e
logo seu aroma hipnotizante acordou meu pai, minha mãe, e por último minha
outra tia, Florisbela.
Eu e minhas irmãs
ficamos deitadas por mais um tempo, era Natal, e sabíamos que esse seria um dia
longo como todos os anos. Ficávamos acordadas para a missa do galo que era a
meia noite, por isso mamãe dizia pra não termos pressa de acordar. Mas a
ansiedade para esse dia não nos deixava dormir nem ficarmos quietas. Levantamos
com um sorriso de orelha a orelha, pois já tinham começado a chegar os
familiares e amigos que tinham como tradição passar o natal conosco. Era um dia
de festa realmente, a casa se enchendo de gente, eram tantos parentes... Uns
estavam com um ano que não víamos, e as brincadeiras começaram cedo.
Como crianças que
éramos, só víamos alegria e diversão nesse dia, passávamos um ano esperando por
esses momentos. Era no quintal, na sombra do jambo, que a brincadeira ganhava
vida. Até os primos mais velhos entravam na brincadeira e faziam dinâmicas e
pequenos campeonatos para nos manter ocupados enquanto as mulheres mais velhas
estavam na cozinha, e os homens, na sala da frente, conversando sobre política
ou religião.
Na época não
conhecíamos chocolate como hoje, era só nesse único dia que podíamos ver e
comer um chocolate. Minha prima que morava na capital trazia e era muito
empolgante, ficávamos eufóricos para poder comer o tão esperado chocolate, que
geralmente ficávamos poupando, comendo de pedacinhos para durar mais, pois
sabíamos que só próximo ano teria outro.
Na hora do almoço
e janta eram tantas pessoas para se alimentar que minha mãe já tinha uma grande
bacia de alumínio onde ela fazia um grande pirão, e repartia para todos, sendo
que o das crianças ficava espalhado nas beiradas da bacia, as crianças se
sentavam ao redor para comer com alguma mistura que quase sempre era frango ou
ovos.
Tudo era motivo
de festa e alegria, era um dos melhores dia do ano, só tínhamos casa cheia
assim na semana santa, natal e ano novo, sendo que o natal era sempre mais
animado, pois era nesse dia que visitávamos a lapinha, iramos, a missa do
galo... Podíamos ficar a noite toda acordados e ganhávamos uma roupa nova, a única
roupa que ganhávamos no ano todo, também podíamos ir ver as loisinhas (objetos
feito de barro).
Minha tia Florisbela, tinha como tradição montar o presépio no início de dezembro e só desmontada em janeiro no dia dos Reis. O presépio ficava na sala da frente, e todos da vizinhança vinham ver, todos admiravam. Minha tia fazia com muito gosto e devoção.
A minha casa
sempre recebia muita pessoas, uns vindo do interior outros da capital, eram tantos
que a dormida de muitos era no chão, na areia do quintal, quando muito tinham
um lençol. Mas ninguém reclamava, pelo contrário, era a noite toda de prosa. Os
mais velhos sempre com anedotas e estórias de trancoso, e a tia Florinda não
deixava a garrafa do café esvaziar, e também tinha chá, e algumas roscas ou
broa pra entreter o tempo.
E que tempo bom, não se falava de papai Noel nem de presente de Natal, o encanto era estarmos todos juntos, tudo era mágico e encantador, aos meu olhos eu vivia um conto de fadas onde
tudo era magicamente fantástico. A noite era a hora tão esperada, vestir a roupa nova, eu
como a caçula sempre tinha a roupa de estampa florida e a capricho minha mãe
não economizava nos babados bicos, eu gostava muito. Sedo íamos a praça, ver a
lapinha e as lousinhas, as ruas ainda eram de calçamentos e umas ainda de
barro, sempre tão cheias de gente, as casas próxima também recebiam visitas e
eram uma verdadeira confraternização na cidades, a praça muito bem enfeitada a
atração principal era a lapinha da Igreja todos tinham que passar por lá, e ficávamos
andando pelas ruas próxima a igreja até meia noite na hora da missa, no final
íamos no maior festejo pra casa onde muitos já estavam a nos esperar, e a noite
parecia não ter fim, ficávamos até o outro dia, uns não aguentavam e dormiam,
mais a maioria ficava prosando até o amanhecer.
Que boas
lembranças tenho dos Natais da minha infância, verdadeiros anos dourados, se
por um instante eu pudesse voltar no tempo iria pra esse Natal, comer pirão
juntamente com meus primos, brincar com as panelinhas de barro e sentir toda aquela magia do Natal de antigamente.

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